(Sebastian Piñera, presidente do Chile, ao sair em defesa de um policial que atirou contra um motorista de Uber que tentou atropelá-lo ao negar-se a obedecer ordem de parada).
Imagine que você é um Policial Rodoviário Federal e está indo, logo ao amanhecer, para o trabalho. E no meio do caminho, você se depara com uma pick-up de mais de duas toneladas sendo conduzida de forma agressiva e anormal. Você não sabe, mas momentos depois você terá que tomar uma decisão que pode mudar completamente a sua vida. Há apenas duas opções possíveis: intervir ou ser omisso e fingir que nada viu( e seguir sua viagem).
Um segundo interminável se passa em sua mente antes de tomar a decisão final. Ser omisso, neste caso, não lhe trará nenhuma consequência pessoal. Afinal, você está a caminho do trabalho, e formalmente seu plantão nem começou ainda. Mas você lembra do que aprendeu no seu curso de formação – você, como policial, tem o dever de agir ante o perigo – e lembra também do juramento que você fez de proteger a sociedade. Como PRF você sabe que metade das dezenas de milhares de mortes anuais do trânsito brasileiro são provocadas por condutores sobre efeito de álcool. E você não quer carregar o remorso de deixar aquela “bomba-relógio” explodir no colo de um inocente ou de uma família inteira.
Você decide então abordar. Mesmo sozinho e em desvantagem numérica. Mesmo correndo enorme risco pessoal. Afinal, ninguém tem bola de cristal pra adivinhar quem está dentro daquele carro. Mas você pensa: que se dane o mundo ideal! Alguém precisa parar “aquilo” antes que seja tarde demais. Você está de coturno e sua calça cáqui do uniforme, além de uma camisa sobre a farda. Ao abordar o carro encontra o motorista e demais ocupantes claramente alterados. O aspecto do motorista e sua atitude agressiva e contestadora indica que você está diante de um CRIME previsto no Código de Trânsito: conduzir veículo automotor sob efeito de álcool. Um crime que mata e fere muito em nosso país. E se qualquer do povo pode agir em caso de flagrante delito, o policial tem o dever de fazê-lo. Nada mais legítimo e moral.
Você liga então para a PM e solicita para que eles venham ao local, tendo em vista que eles são responsáveis por aquela circunscrição. Esta atitude, registrada em áudio, deveria desmistificar claramente qualquer tese (absurda) de que o que estava acontecendo, naquele momento, era uma mera briga de trânsito entre o condutor ( cuja perícia revelaria depois que estava com altas taxas de álcool e drogas no sangue ) e você PRF. O que está acontecendo, verdadeiramente, é uma típica e evidente situação de flagrante delito.
Para tentar escapar do flagrante, o infrator passa a questionar a sua identidade de policial. A lógica mais elementar indica que um policial semi-fardado e armado é obviamente um agente de segurança pública justamente por chamar apoio da polícia responsável pela via. Nenhum assaltante armado ou bandido disfarçado de policial seria idiota o suficiente para fazer isso. A desculpa esfarrapada para sair do local – questionar a sua identificação promovendo um cenário de confusão e instabilidade – é evidentemente mero subterfúgio encontrado pelo condutor, que tem plena consciência da ilicitude de seus atos, para fugir do local e escapar da iminente condução para a delegacia, onde seria certamente lavrado o auto prisão em flagrante por crime de trânsito.
Se o condutor se portasse como um cidadão de bem, de maneira respeitosa e colaborativa, a ocorrência seguiria normalmente o trâmite normal, sem nenhum percalço. Sem ninguém se machucar. Provavelmente ele seria conduzido à delegacia e, após pagar fiança, iria para casa. Apenas meses depois, responderia na justiça pelos seus atos.
Infelizmente não é o que acontece. Sentindo a iminência da chegada da Polícia Militar, o condutor e seus passageiros embarcam no carro para tentar fugir. Você, como policial, quer fazer cumprir a lei e se coloca, com a pistola em punho(único instrumento coercitivo de trabalho disponível no local), na frente do carro, como barreira humana e legal, dando ordem verbal firme para que ele não saia do local. Note que ali não estava apenas o policial. Estava o Estado que tem atribuição Constitucional de garantir SEGURANÇA PÚBLICA. A decisão do motorista, de acelerar e arrancar com um veículo de mais de duas toneladas para cima de você – uma agressão injusta, desmotivada e ilegal – com evidente dolo de violar a integridade física ou a própria vida do agente de segurança pública – consequência lógica de atropelar um ser humano com um veículo daquele porte – provoca a reação esperada de um policial treinado, e aprendida nos cursos de formação e atualização: o uso da força deve ser proporcional à agressão. A simples presença policial e verbalização seriam suficientes se houvesse atitude colaborativa, mas, infelizmente, ao sofrer grave agressão – o carro ser usado como uma arma potencialmente letal pelo ação deliberada de atropelar para fugir – faz você usar todos os meios disponíveis para cessá-la.
Naquele cenário caótico – um policial sozinho contra quatro indivíduos em fuga jogando um carro para atropelá-lo – você atira, não para matar, mas para cessar a inesperada agressão enquanto tenta desesperadamente salvar sua própria vida. Você age de acordo com o protocolo aprendido na sua instituição, que foi lastreado na melhor e mais atual doutrina policial: reage-se até a agressão ser cessada. Tudo se passa na casa dos segundos e naquele pico de adrenalina você dispara sete vezes, até perceber ter repelido a agressão. Infelizmente o condutor falece no local.
Tudo isso aconteceu com o PRF MOON, mas poderia ter acontecido com qualquer um de nós policiais. Foi o que aprendemos. E esta reação é completamente proporcional e adequada à situação. Nenhum policial – um pai de família – sai de casa para ser esmagado por um uma caminhonete conduzida por um motorista bêbado/drogado que quer escapar de sua responsabilidade criminal. Negar esta realidade é ignorar absurdamente a doutrina policial, proibir o instituto da legítima defesa policial e negar o próprio instinto de sobrevivência inerente a qualquer ser humano normal.
Se o PRF Moon estivesse em um país de primeiro mundo, como Chile e Estados Unidos, onde existe segurança jurídica para atividade policial, ele seria prontamente inocentado. Foi isso que aconteceu com colegas policiais em situações bastante semelhantes.
Em 2018, quando um motorista de Uber desobedeceu ordem de parada de um Carabinero chileno no Aeroporto de Santiago, tentando atropelá-lo para escapar da fiscalização, a reação foi a utilização da arma de fogo até a agressão ser cessada. O Procurador de Justiça responsável pelo caso entendeu que a ação foi plenamente justificada:
“Pese a que se indagó el delito de homicidio frustrado, el fiscal Baeza consideró que la actuación de Villaroel fue apegada al protocolo de la institución sobre el uso de armas, lo que permitió llegar a la conclusión de que el oficial no tenía responsabilidad penal.” (Apesar do fato de o crime de tentativa de homicídio ter sido investigado, o Promotor Baeza considerou que a ação de Villaroel estava em conformidade com o protocolo da instituição sobre o uso de armas, o que levou à conclusão de que o policial não tinha responsabilidade criminal).”
Em 2008, quando um brasileiro sob efeito de drogas tentou fugir de uma abordagem e jogou um carro contra um policial americano, este também sacou a sua arma e disparou até que a agressão fosse cessada. Novamente as autoridades judiciais entenderam que a ação foi plenamente justificada:
“The district attorney said the officer had good reason to fear imminent great bodily harm or death from being crushed against his cruiser or run over by the automobile, and was justified by reason of self-defense in shooting Martins…The report concludes that Martins was operating a deadly weapon, the automobile, which he was operating in a reckless manner without consideration of the lives and safety of others.”“(O procurador do distrito disse que o policial tinha boas razões para temer iminentes grandes danos corporais ou morte por ser esmagado contra sua viatura ou atropelado pelo automóvel, e justificou-se por motivos de autodefesa os disparos em Martins…O relatório concluiu que Martins estava operando uma arma mortal, o automóvel, que ele estava operando de maneira imprudente, sem levar em consideração a vida e a segurança de outras pessoas).
Existem diversas ocorrências, no nosso país, onde policiais foram mortos ou feridos por infratores penais que utilizaram um veículo automotor como uma arma para atropelar o agente de segurança pública. Basta uma simples consulta rápida no Google para constatar estes fatos. O último relato aconteceu com a Sargento Taís Valéria Fanasca Melloni da Polícia Militar de São Paulo, que foi assassinada atropelada no dia 04 de setembro de 2019:
No Caso do PRF Moon um verdadeiro circo midiático foi montado. Parcela considerável da mídia, sempre tão benevolente, eufemística e tolerante com criminosos, se apressou em condená-lo, colocando nele a pecha de assassino, em letras garrafais, nas capas de jornal, promovendo, por meses, um massacre sistemático da imagem um policial honrado que apenas fez cumprir a lei.
Além da já tradicional policiofobia, outro componente parece explicar a postura parcial e inquisitória da imprensa local: o infrator era da classe alta de Campo Grande. Mas os fatos e evidências relatados nos parágrafos anteriores pouco importavam. Pouco importava se o infrator tinha histórico criminal e o PRF era um bom e condecorado servidor de segurança pública.
Mesmo assim todos nós acreditávamos na imparcialidade da justiça. Tínhamos certeza que ele seria absolvido no final. Afinal, num país de primeiro mundo o PRF Moon teria o mesmo tratamento justo dispensado ao Carabinero chileno Villaroel e ao Police Officer americano Christopher Van Ness.
Foi inacreditável ver o PRF Moon ser massacrado também na fase judicial. Parecia que estava sendo ali aplicado não as garantias constitucionais, mas o famigerado instituto do Direito Penal do Inimigo. Para os leigos em direito o Direito Penal do inimigo, em curtas palavras, significa que pessoas( ou grupos de pessoas) são consideradas inimigas da sociedade e por isso não devem ser detentoras das mesmas garantias, remédios e benefícios concedidos pelo Direito Penal àqueles que são considerados cidadãos. Parece que, lamentavelmente, muita gente enxerga policiais desta forma no nosso país.
O PRF Moon foi condenado a 23 anos de cadeia. Pena maior que a do goleiro Bruno que matou e deu para os cães comerem uma mulher grávida(20 anos). Pena maior do que o casal Nardoni que matou cruelmente uma criança(18 anos). Pena maior do que a mulher que matou e esquartejou o marido e empresário Matsunaga(16 anos).
Mas o maior e mais atroz crime de todo este caso é o assassinato da atividade policial. Ao se condenar um policial inocente condenou-se também o moral de todos os policiais do país.
Nenhuma sociedade sadia pode ser erigida sem o entendimento de que a segurança pública deve compreendida não através do preconceito, da ignorância e da ideologia antipolicial que parece contaminar, até a medula, pessoas em posição de poder. Mas só e somente só dentro de seus aspectos técnicos que fundamentam seus protocolos (praticamente universais) de atuação.
Sem segurança jurídica na atividade policial não é possível haver segurança pública.
O PRF Moon merece um julgamento justo.
Filipe Bezerra é Policial Rodoviário Federal, bacharel em Direito pela UFRN, pós-graduado em Ciências Penais pela Anhaguera-Uniderp e bacharelando em Administração Pública pela UFRN.
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https://www.t13.cl/noticia/nacional/fiscalia-pide-sobreseimiento-carabinero-disparo-uber-aeropuerto