Li estes tempos, em uma destas discussões facebookianas, alguns comentários tecidos por um pseudo-revolucionário de apartamento qualquer, com bons argumentos e palavras bem ditas, mas que recaia em um erro comum ao mais genérico dos apedeutas: generalizar comportamentos e descomedir pareceres.
Quando escrevo este texto, sei que não detenho a absoluta verdade. Apenas expresso uma opinião momentânea baseada em experiências e aprendizados até aqui vividos.
O indivíduo a que me refiro era totalmente contra a polícia. Com palavras bonitas, apresentava uma simplificação rasa do que a polícia representava, mas conectava bem as palavras e demonstrava coesão ímpar – mais ou menos o que fazem as teses abolicionistas, que no campo teórico são maravilhosas, mas que pecam pela infantilidade de suas proposições.
Mas, ainda que em uma perspectiva geral não pudesse concordar com as reduções por ele tergiversadas, tive que anuir com algumas premissas. Um dos trechos que me chamou a atenção foi o seguinte:
“Não é com frase de efeito (“quem poupa lobo mata a ovelha!)”, nem com falácia de apelo à necessidade (“se fosse com você…”), nem com falácia de desvio de responsabilidade (“vocês é quem colocam os corruptos lá…”), nem com falácias de apelo a hiper-solidariedade (“tá com dó, leva para casa…”), nem com falácia de apelo à necessidade da função (” você não sabe se voltará para casa…”), nem com falácia alguma que nem cheguei de citar (…)”.
Excelente!
Redijo este texto justamente por causa do trecho trasladado.
O que quero dizer é que aquele indivíduo, que tinha ódio da polícia (talvez algum trauma), e que demonstrava ingente preconceito e generalização para com o corpo policial, nada mais é que o reflexo do policial violento. Eles são iguais, mas defendem lados opostos. Um é o infenso do outro, mas é tão extremado quanto. Um é a caricatura da “esquerda”, o outro da “direita”.
E o trecho supracitado mostra exatamente isto: o revoltoso estava certo. Os clichês propagados pela maioria são de uma ignorância ímpar.
Policial pode muito bem ser firme, preparado, pronto para responder à ação criminosa com poder de fogo se preciso e, ao mesmo tempo, estabelecer conexões sociais educadas e respeitosas, prezando pela ajuda ao cidadão e respeito à comunidade. Devemos entender que polícia não é sinônimo de truculência. E que bom senso não se confunde com “defender bandido”.
Este rol de falácias apresentadas, porém, não chega nem perto da maior delas: tratar os “direitos humanos” como se um ente ou uma instituição fosse. Algo que pode ser tocado. Geralmente vemos frases do tipo “é por causa dos direitos humanos que estamos assim”, “direitos humanos defende vagabundo”. Esse tipo de assertiva é quase tão simplista quanto aquela de que “polícia é violenta” ou “polícia mata muito” (ora, em um país com 60 mil assassinatos por ano e onde um policial morre a cada 32 horas, é mais que natural que a “polícia mate muito”).
Pois bem. Entendam que o tal do “direitos humanos” é expressão das liberdades básicas de todo o cidadão. Ser contra os “direitos humanos” é como dizer que a tortura é válida, ou que, se você for preso sem razão, não teria direito a uma defesa adequada. É diferente de ser contra uma sistemática ou escola penal, mais laxista ou hiper-garantista. É diferente de ser contra um conjunto de leis inoperantes ou ineficientes. É simplesmente ter um argumento clichê (ou falácia como ele diz) para usar em uma discussão de facebook.
Isto advém de uma mania presente nas elaborações cognitivas e/ou textuais dos que detém um pouco mais de habilidade retórica, mas que simplificam problemáticas; é descontruir um argumento/sistema/opinião com críticas, mas sem apresentar soluções (muito parecida com aquela ideia de que, quando há um aumento na violência ou a notoriedade de um evento violento em especial, as leis deveriam ser endurecidas, ou mais leis deveriam ser promulgadas). É um argumento simples e fácil de utilizar em qualquer contexto, mas que não apresenta propostas ou sugestões concretas e satisfatórias. É a mera utilização de um pressuposto geral e abstrato que impressiona, mas que remonta ao senso comum. É como dizer que a culpa é dos “direitos humanos”. É como ser abolicionista. É como dizer que a “polícia é violenta”.
A realidade é muito diferente da teoria, e as práticas utópicas da escrita, apesar de atiladas, não conjugam da realidade vivida pelo profissional da segurança. Aliás, muito fácil ver o indivíduo criticar toda uma classe desvalorizada profissionalmente, exercendo uma atividade mal paga e com mínimo retorno, e arriscando a vida para salvar vidas. Queremos providenciar uma polícia mais sensível aos anseios sociais e trazer o cidadão para perto da instituição, mas não investimos em treinamento especializado. Exigimos muito de uma corporação que só é lembrada por seus descuidos, mas nunca aclamada pelas ações exemplares.
Ao mesmo tempo, isto não autoriza o descomedimento. Se em uma abordagem não for seguida a escala de utilização da força, ou for simplesmente ignorada a pirâmide de atuação policial, comecemos então a distribuir pontapés e voltemos ao comportamento ditatorial, pois que atuar com proporcionalidade agora é “defender vagabundo”. Isso soa tão desavisado e estúpido quanto amarrar supostos delinquentes em postes. Tão inconsistente quanto bradar que “direitos humanos é para vagabundo”.
Fiz uma academia de polícia que preza pela atuação comunitária, pela ética e pela aplicação e uma ideologia em direitos humanos. Sempre quis ser policial, sempre me preparei para isto. Poucos tem tanta paixão quanto eu pela profissão. E sei que uma polícia forte e respeitada pela população é aquela que também respeita. E o policial não pode ele mesmo provocar uma situação de violência (e que foge ao seu controle) pela sua incapacidade mesma de conter o cidadão, e por provocar, com sua dificuldade cognitiva (ou sei lá), a exasperação dos ânimos.
Criticar sem propor, porém, não constrói uma realidade diferente; apenas diminui o papel daqueles que trabalham pela e para a sociedade. E a polícia não precisa disso. Ademais, hodiernamente, o policial se vê amarrado: responde administrativamente e criminalmente pelos mais corriqueiros e ignóbeis fatos. Ele está com receio de colidir com a viatura em um acompanhamento (e responder por isso); com medo de responder a injusta agressão com fogo (e responder por isso); algemar o agressor (e responder por isso); dar uma ordem (e responder por isso); de responder por isso. Parece que a sociedade e o sistema dificultam o trabalho policial. Isso tudo advém da aposta em uma cultura de teóricos de apartamento, pseudo-revolucionários, com axiomas bem encaixados, totalmente desconexos da realidade.
Dizem que a solução não é a polícia. Concordo. Mas enquanto a educação, a saúde, a formação de nossos jovens e o investimento na moral e disciplina são deixados de lado, temos que responder de alguma forma ao incremento da criminalidade. E não é com frase de efeito que isso será feito.
De resto, continuamos discutindo o idílio da segurança pública, que nunca vai resolver os problemas sociais do país. E esse maniqueísmo que a gente trava, dividindo o bem do mal, às vezes parece até meio bobo. No final, “esquerda” ou “direita”, todos queremos a mesma coisa.
Filipe da Costa Kerber é Policial Rodoviário Federal, formado em direito pela Universidade Federal do Rio Grande, com pós graduação em ciências criminais, membro do Grupo de Policiamento Tático da Delegacia de Bento Gonçalves.
A maior prova de que a solução não é a polícia está nos trocentos mil policiais atuando nas olimpiadas. O crime “come solto”; Vide o “acidente”(segundo o excelentíssimo(!!) ilustrissimo(!!) magnífico(!!) Sr M. Temer) com o FN. Precisamos de leis, dentre outros.
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